2014-07-29

CREOULA: "Içar as Extensulas"

Estava a acompanhar a largada do CREOULA de Lisboa para o Douro e Avilez, com um grupo de membros da Aporvela embarcados, na tarde de 24 de Julho último, quando, ao passar por baixo da Ponte 25 de Abril, o navio iniciou a manobra de içar as extênsulas, pelo que aqui fica um registo do acontecimento que prendeu as atenções de diversas pessoas em lazer na Junqueira, incluindo uma avozinha que chamou a atenção do neto para aquela "linda Caravela". 
Quem sabe se qualquer dia não temos mais um Amigo do CREOULA neste netinho? Ninguém fica indiferente à presença do nosso CREOULA e o facto de se procurar sempre que possível largar de Lisboa com o pano içado, aumenta em muito a visibilidade do navio...
Mais um pequeno grande contributo do CREOULA para que se vá mantendo viva  a ligação dos Portugueses aos navios e ao Mar...
Texto e imagens /Text and images copyright L.M.Correia. Favor não piratear. Respeite o meu trabalho / No piracy, please. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia







CREOULA passando o EMPIRE STATE

Ao sair de Lisboa no dia 24 de Julho de 2014 no início da última viagem deste ano para a APORVELA, o NTM CREOULA cruzou-se com o navio-escola norte americano EMPIRE STATE de entrada para uma visita de 4 dias, frente à Banática, tendo os navios trocado apitos. 
Do Comando do CREOULA recebemos estas três fotografias tiradas de bordo, e por coincidência eu registei o momento precisamente na mesma ocasião, proporcionando uma perspectiva diferente, "de fora"...
Foi um momento único, cheio de significado histórico: o EMPIRE STATE navega há 52 anos e foi construído como navio de carga e passageiros rápido utilizado nas carreiras do Pacífico pela companhia States Steamship Lines com o nome original OREGON. Trata-se de um navio com turbinas a vapor capaz de uma velocidade de serviço de 20 nós, testemunho da geração de navios de carga geral rápidos que antecedeu os primeiros porta-contentores na década de 1960, e um dos únicos navios deste tipo ainda  a navegar, desde há 20 anos ao serviço da Escola Náutica de Nova Iorque, utilizado para instrução dos futuros oficiais da Marinha Mercante dos EUA.
O CREOULA não fica atrás em nada em termos de valor histórico e utilidade, navegando desde há 77 anos...
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2014-07-07

Recordando o GAZELA PRIMEIRO

O Capitão António Marques da Silva comandou o Lugre-patacho GAZELA, da velha Parceria Geral de Pescarias, durante muitos anos. Esta história foi passada ao papel para integrar um livro, que não sei se chegou a ser publicado, mas pelo menos divulga-se aqui mais este testemunho da história dos bacalhoeiros. Claro que o GAZELA pertencia à mesma empresa armadora do CREOULA, a Parceria Geral de Pescarias...
LMC
Gratas Recordações

Foi com muito interesse e satisfação que li o tão oportuno livro de memórias " The Heart of a Ship" que os membros das várias tripulações do nosso "Gazela" em Filadélfia tiveram o gosto de recordar escrevendo e que o Sr. Eric Lorgus, Presidente do Philadelphia Ship Preservation Guild teve a gentileza de me enviar pelo Natal.
Pensando na solicitação que este amigo formulou admiti que se os meus conhecimentos da língua inglesa fossem melhores, também certamente poderia contribuir com algumas recordações, para um próximo livro deste género que viesse a ser editado.
Entretanto a oportunidade surgiu e aceitei a ajuda do meu caro colega e amigo Luís Miguel Correia, reconhecido historiador e fotógrafo naval, que amavelmente se disponibilizou para passar para língua inglesa estas minhas recordações.
Lembrei então uma pequena mas interessante conversa travada com um velho oficial do nosso "Gazela", que tive o privilégio de encontrar em Fevereiro de 1960.
Estava nesta data o "Gazela" a completar de aparelhar, no cais da Gafanha da Nazaré, próximo dos estaleiros onde tinha concluído a grande reparação de 1959/60.
Pintado de fresco e com os cabos dos mastros e das velas a brilhar de novos, estava com um óptimo aspecto e por isso era muito observado e visitado. Já nessa época era o único navio de arte redonda, que continuava a trabalhar na marinha mercante portuguesa, pescando no Grande Banco da Terra Nova e no mar da Groenlândia.
Assim, estando eu no convés do navio perto do portaló, vi aparecer no cais um cavalheiro que aparentava certa idade, embora ainda muito direito na sua bicicleta e muito respeitável no seu fato escuro. Pela forma atenta como observava tudo em pormenor, verifiquei que era pessoa familiarizada com navios. Reconheci depois com agrado que era o Capitão Amândio Parracá, pessoa muito conhecida no meio marítimo da nossa região.
Mostrava no rosto muita satisfação, quando se aproximou do navio e me perguntou:
  • Mas é mesmo o nosso "Gazela" que eu estou a ver?
  • É sim senhor, é ele mesmo, conhece-o?
Respondi eu, prevendo que seria bom não perder a conversa que parecia estar a começar.
  • Não conheço eu outra coisa. Eu é que não esperava que o vinha encontrar hoje aqui, pois sei bem que a sua casa é em Lisboa. Nem sabe que alegria estou a ter! És tu o Capitão?
  • Sou sim senhor, e então se é com gosto venha entrando, que o navio é seu.
Foi subindo a prancha e mesmo antes de entrar, parou para me dizer:
  • Sabes quando foi que eu conheci este naviozinho? Foi em mil novecentos e um, quando aqui embarquei como piloto, na companhia do Capitão Paulo Bagão. Era a primeira viagem que este navio fazia, depois da grande obra que tinha tido lugar num estaleiro de Setúbal. Estava novo. Belo navio naquele tempo!... O maior de toda a frota portuguesa que ia à Terra Nova. Os pescadores até o achavam grande demais. Diziam que era muito difícil de carregar.
  • E então fizeram boa viagem?
  • Não foi má mas como não íamos à terra a não ser nos Açores, meter e levar os pescadores que de lá levavamos, era muito tempo no mar. Nem sabes como estou contente de estar a ver esta obra. Ele merecia. É um bom navio, e já naquele tempo se dizia que as madeiras e pregaria que lhe tinha sido aplicada no casco era tudo da melhor qualidade.
Enquanto falava, ia batendo com a mão na borda do navio como se estivesse a saudar um velho amigo.
Continuou a recordar acontecimentos das suas viagens que eu fui ouvindo com muito prazer e atenção. Eram lembranças vividas que eu escutava em primeira mão, de viva voz, as quais não podia perder de forma nenhuma.
Eu nessa data tinha vinte e nove anos e este capitão teria certamente mais cinquenta do que eu. Como foi bom para mim encontrar alguém que passado tantos anos ainda gostava do "Gazela" e que como eu também lhe chamava o seu "naviozinho".
Foi em algumas conversas como esta que eu fui aprendendo as histórias deste nosso velho leão do mar, e estou certo que ele gostava de saber que eu as vou transmitindo a quem por ele tem amizade.
Hoje, que já passaram quase tantos anos como aqueles que o "Gazela" tinha na altura em que este encontro teve lugar, eu compreendo melhor o gosto que aquele velho Capitão sentiu ao ver que estavam a reformar e a conservar o seu "naviozinho". Tal como ele, eu também fico feliz ao saber que o "Gazela" continua a ser acarinhado e amparado, como merece um velho lutador. É com muito respeito e gratidão que eu mando a todos os amigos do meu naviozinho que considero serem também meus amigos, o meu mais sentido obrigado.

Um abraço,

António Marques da Silva,  Caxias, 20 – V – 2012

Grateful Memories

It was with great interest and satisfaction that I have read "The Heart of the Ship", such a timely souvenir book full of memories on our "Gazela" in Philadelphia, put up affectionately by the members of her dedicated crews and which Mr. Eric Lorgus, President of the Philadelphia Ship Preservation Guild, was kind enough to send me for Christmas.
Thinking about the request formulated by this friend I admitted that if my knowledge of English was better, certainly I could also contribute with some memories for an upcoming similar book.
Meanwhile the opportunity arose and I accepted the help of my dear friend and colleague Luís Miguel Correia, well known maritime historian and photographer, who kindly offered to translate into English my memories.
Then I remembered a small but interesting conversation with an old officer of our "Gazela", I had the privilege of meeting in February 1960.
At the time the "Gazela" was on the final stage of fitting out alongside the pier of Gafanha da Nazaré, near the yard where she had completed major repairs in 1959/60.
Freshly painted with the rigging of masts and sails shining like new, she looked pristine and attracted the attention of the locals, being observed and visited by many. By then she was the only square-rigger ship still in service with Portuguese merchant navy, fishing in the Grand Banks of Newfoundland and in Greenland.
So, as I was on the deck of the ship near the gangway, I saw a gentleman appearing on the pier that seemed a certain age, though still very right on his bike and very respectable in his dark suit. By the way he observed everything in detail, I realised that he was familiar with ships. I happily recognised that he was Captain Amândio Parracá, a very well known person in the local shipping and fishing circles.
He showed a lot of satisfaction on his face, as he approached the ship and asked:
- But is she our "Gazela" I'm seeing?
- Yes sir, she is, you know her?
I replied, predicting it would be nice not to lose the conversation that seemed about to start.
- I do not know anything else. I did not expect to see her here today because I know well that she is based in Lisbon. No one knows what joy I'm having! Are you the captain?
- Yes sir I am, and then if it pleases you, come aboard, the ship is yours.
While moving up along the gangway, he stopped to tell me:
- Do you know when I first knew this pretty ship? It was in nineteen hundred and one, when I joined this ship as a pilot, with Captain Paulo Bagão. It was "Gazela"'s first trip after she was rebuilt in a shipyard at Setúbal. She looked like new. Beautiful ship at the time! ... The largest within all ships in the Portuguese fleet that went to Newfoundland. Fishermen thought she was too big. They used to say that it was very difficult to load.
  • And then did you have a good trip?
  • It was not bad but as we were not going to land unless in the Azores, to embark and disembark the local fishermen, we stayed for too long at sea. You do not know how glad I am to be here observing this work. She deserved it. She is a good ship, and even then it was said that the woods and nails that had been applied to the hull were all of the highest quality.
As he spoke, he was tapping his hand on the edge of the ship as if greeting an old friend.
He continued to recall events from his trips that I was listening with great pleasure and attention. They were vivid recollections that I heard firsthand told by the protagonist himself, which I could not lose in any way.
At that time I was twenty-nine years old and this captain would certainly have been fifty years older than I was. And it was so good for me to find someone who after so many years still loved the "Gazelle" and like myself called it his "naviozinho" ("little ship").
It was in some conversations like this that over the years I was able to learn the stories related to this our old sea lion, and I'm sure he'd like to know that I've transmitting to whom is still fond of the "Gazela".
Today, that almost as many years as those "Gazela" had at the time have passed, I understand better the joy that old Captain felt while seeing his "little girl" being cared and preserved. Like him, I too am glad to learn that the "Gazelle" continues to be cherished and supported, as an old fighter deserves. It is with great respect and gratitude that I am sending to all the friends of my "naviozinho", that I consider are also my friends, my most heartfelt thanks.

A big hug,

António Marques da Silva  Caxias, 20 – V – 2012 
Texto de / by Capitão António Marques da Silva. Comentário, edição e versão em Inglês de Luís Miguel Correia. Favor não piratear. Respeite o meu trabalho / No piracy, please. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia