O Capitão António Marques da Silva comandou o Lugre-patacho GAZELA, da velha Parceria Geral de Pescarias, durante muitos anos. Esta história foi passada ao papel para integrar um livro, que não sei se chegou a ser publicado, mas pelo menos divulga-se aqui mais este testemunho da história dos bacalhoeiros. Claro que o GAZELA pertencia à mesma empresa armadora do CREOULA, a Parceria Geral de Pescarias...
LMC
Gratas
Recordações
Foi
com muito interesse e satisfação que li o tão oportuno livro de
memórias " The Heart of a Ship" que os membros das várias
tripulações do nosso "Gazela" em Filadélfia tiveram o
gosto de recordar escrevendo e que o Sr. Eric Lorgus, Presidente do
Philadelphia Ship Preservation Guild teve a gentileza de me enviar
pelo Natal.
Pensando
na solicitação que este amigo formulou admiti que se os meus
conhecimentos da língua inglesa fossem melhores, também certamente
poderia contribuir com algumas recordações, para um próximo livro
deste género que viesse a ser editado.
Entretanto
a oportunidade surgiu e aceitei a ajuda do meu caro colega e amigo
Luís Miguel Correia, reconhecido historiador e fotógrafo naval, que
amavelmente se disponibilizou para passar para língua inglesa estas
minhas recordações.
Lembrei
então uma pequena mas interessante conversa travada com um velho
oficial do nosso "Gazela", que tive o privilégio de
encontrar em Fevereiro de 1960.
Estava
nesta data o "Gazela" a completar de aparelhar, no cais da
Gafanha da Nazaré, próximo dos estaleiros onde tinha concluído a
grande reparação de 1959/60.
Pintado
de fresco e com os cabos dos mastros e das velas a brilhar de novos,
estava com um óptimo aspecto e por isso era muito observado e
visitado. Já nessa época era o único navio de arte redonda, que
continuava a trabalhar na marinha mercante portuguesa, pescando no
Grande Banco da Terra Nova e no mar da Groenlândia.
Assim,
estando eu no convés do navio perto do portaló, vi aparecer no cais
um cavalheiro que aparentava certa idade, embora ainda muito direito
na sua bicicleta e muito respeitável no seu fato escuro. Pela forma
atenta como observava tudo em pormenor, verifiquei que era pessoa
familiarizada com navios. Reconheci depois com agrado que era o
Capitão Amândio Parracá, pessoa muito conhecida no meio marítimo
da nossa região.
Mostrava
no rosto muita satisfação, quando se aproximou do navio e me
perguntou:
Mas
é mesmo o nosso "Gazela" que eu estou a ver?
É
sim senhor, é ele mesmo, conhece-o?
Respondi
eu, prevendo que seria bom não perder a conversa que parecia estar a
começar.
Não
conheço eu outra coisa. Eu é que não esperava que o vinha
encontrar hoje aqui, pois sei bem que a sua casa é em Lisboa. Nem
sabe que alegria estou a ter! És tu o Capitão?
Sou
sim senhor, e então se é com gosto venha entrando, que o navio é
seu.
Foi
subindo a prancha e mesmo antes de entrar, parou para me dizer:
Sabes
quando foi que eu conheci este naviozinho? Foi em mil novecentos e
um, quando aqui embarquei como piloto, na companhia do Capitão
Paulo Bagão. Era a primeira viagem que este navio fazia, depois da
grande obra que tinha tido lugar num estaleiro de Setúbal. Estava
novo. Belo navio naquele tempo!... O maior de toda a frota
portuguesa que ia à Terra Nova. Os pescadores até o achavam grande
demais. Diziam que era muito difícil de carregar.
E
então fizeram boa viagem?
Não
foi má mas como não íamos à terra a não ser nos Açores, meter
e levar os pescadores que de lá levavamos, era muito tempo no mar.
Nem sabes como estou contente de estar a ver esta obra. Ele merecia.
É um bom navio, e já naquele tempo se dizia que as madeiras e
pregaria que lhe tinha sido aplicada no casco era tudo da melhor
qualidade.
Enquanto
falava, ia batendo com a mão na borda do navio como se estivesse a
saudar um velho amigo.
Continuou
a recordar acontecimentos das suas viagens que eu fui ouvindo com
muito prazer e atenção. Eram lembranças vividas que eu escutava em
primeira mão, de viva voz, as quais não podia perder de forma
nenhuma.
Eu
nessa data tinha vinte e nove anos e este capitão teria certamente
mais cinquenta do que eu. Como foi bom para mim encontrar alguém que
passado tantos anos ainda gostava do "Gazela" e que como eu
também lhe chamava o seu "naviozinho".
Foi
em algumas conversas como esta que eu fui aprendendo as histórias
deste nosso velho leão do mar, e estou certo que ele gostava de
saber que eu as vou transmitindo a quem por ele tem amizade.
Hoje,
que já passaram quase tantos anos como aqueles que o "Gazela"
tinha na altura em que este encontro teve lugar, eu compreendo melhor
o gosto que aquele velho Capitão sentiu ao ver que estavam a
reformar e a conservar o seu "naviozinho". Tal como ele, eu
também fico feliz ao saber que o "Gazela" continua a ser
acarinhado e amparado, como merece um velho lutador. É com muito
respeito e gratidão que eu mando a todos os amigos do meu
naviozinho que considero serem também meus amigos, o meu mais
sentido obrigado.
Um
abraço,
António
Marques da Silva, Caxias,
20 – V – 2012
Grateful
Memories
It
was with great interest and satisfaction that I have read "The
Heart of the Ship", such a timely souvenir book full of memories
on our "Gazela" in Philadelphia, put up affectionately by
the members of her dedicated crews and which Mr. Eric Lorgus,
President of the Philadelphia Ship Preservation Guild, was kind
enough to send me for Christmas.
Thinking
about the request formulated by this friend I admitted that if my
knowledge of English was better, certainly I could also contribute
with some memories for an upcoming similar book.
Meanwhile
the opportunity arose and I accepted the help of my dear friend and
colleague Luís Miguel Correia, well known maritime historian and
photographer, who kindly offered to translate into English my
memories.
Then
I remembered a small but interesting conversation with an old officer
of our "Gazela", I had the privilege of meeting in February
1960.
At
the time the "Gazela" was on the final stage of fitting out
alongside the pier of Gafanha da Nazaré, near the yard where she had
completed major repairs in 1959/60.
Freshly
painted with the rigging of masts and sails shining like new, she
looked pristine and attracted the attention of the locals, being
observed and visited by many. By then she was the only square-rigger
ship still in service with Portuguese merchant navy, fishing in the
Grand Banks of Newfoundland and in Greenland.
So,
as I was on the deck of the ship near the gangway, I saw a gentleman
appearing on the pier that seemed a certain age, though still very
right on his bike and very respectable in his dark suit. By the way
he observed everything in detail, I realised that he was familiar
with ships. I happily recognised that he was Captain Amândio
Parracá, a very well known person in the local shipping and fishing
circles.
He
showed a lot of satisfaction on his face, as he approached the ship
and asked:
-
But is she our "Gazela" I'm seeing?
-
Yes sir, she is, you know her?
I
replied, predicting it would be nice not to lose the conversation
that seemed about to start.
-
I do not know anything else. I did not expect to see her here today
because I know well that she is based in Lisbon. No one knows what
joy I'm having! Are you the captain?
-
Yes sir I am, and then if it pleases you, come aboard, the ship is
yours.
While
moving up along the gangway, he stopped to tell me:
-
Do you know when I first knew this pretty ship? It was in nineteen
hundred and one, when I joined this ship as a pilot, with Captain
Paulo Bagão. It was "Gazela"'s first trip after she was
rebuilt in a shipyard at Setúbal. She looked like new. Beautiful
ship at the time! ... The largest within all ships in the Portuguese
fleet that went to Newfoundland. Fishermen thought she was too big.
They used to say that it was very difficult to load.
And
then did you have a good trip?
It
was not bad but as we were not going to land unless in the Azores,
to embark and disembark the local fishermen, we stayed for too long
at sea. You do not know how glad I am to be here observing this
work. She deserved it. She is a good ship, and even then it was said
that the woods and nails that had been applied to the hull were all
of the highest quality.
As
he spoke, he was tapping his hand on the edge of the ship as if
greeting an old friend.
He
continued to recall events from his trips that I was listening with
great pleasure and attention. They were vivid recollections that I
heard firsthand told by the protagonist himself, which I could not
lose in any way.
At
that time I was twenty-nine years old and this captain would
certainly have been fifty years older than I was. And it was so good
for me to find someone who after so many years still loved the
"Gazelle" and like myself called it his "naviozinho"
("little ship").
It
was in some conversations like this that over the years I was able to
learn the stories related to this our old sea lion, and I'm sure he'd
like to know that I've transmitting to whom is still fond of the
"Gazela".
Today,
that almost as many years as those "Gazela" had at the time
have passed, I understand better the joy that old Captain felt while
seeing his "little girl" being cared and preserved. Like
him, I too am glad to learn that the "Gazelle" continues to
be cherished and supported, as an old fighter deserves. It is with
great respect and gratitude that I am sending to all the friends of
my "naviozinho", that I consider are also my friends, my
most heartfelt thanks.
A
big hug,
António
Marques da Silva Caxias,
20 – V – 2012
Texto de / by Capitão António Marques da Silva. Comentário, edição e versão em Inglês de Luís Miguel Correia. Favor não piratear. Respeite o meu trabalho / No piracy, please. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia